Numa altura em que a pedra natural continua a ser um bem muito solicitado para as obras de construção civil, especialmente fora de Portugal, e com o crescimento desta indústria, surge a necessidade de fazer um retrato do setor, debruçando a análise nas questões da atualidade: sustentabilidade, inovação, transição energética e falta de mão de obra qualificada.
A EngeObras falou com a associação do setor e com empresas que o compõem para conhecer de forma mais aprofundada a realidade desta indústria, conhecer os seus desafios, as suas conquistas e as suas perspetivas de futuro.
Extração pedreira da Filstone.
Em termos setoriais, fomos saber junto da Assimagra - Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais - qual o balanço que fazem dos primeiros seis meses do ano. Célia Marques, vice-presidente executiva da associação explica que “a procura mundial por produtos de pedra natural tem vindo a crescer e a capacidade de resposta dos principais países exportadores tem sido generalizadamente positiva fazendo face a esta procura. Portugal não é exceção, sendo que as exportações de produtos de pedra natural têm acompanhado a realidade internacional atendendo à excelência da pedra portuguesa em termos de variedade e qualidade, mas também pela capacidade produtiva das empresas que já competem com produtos altamente processados para obras de referências mundial”.
Segundo os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes aos indicadores de exportação até abril deste ano, “genericamente, o setor dos recursos minerais apresenta valores de crescimento bastante satisfatórios, com ligeiras flutuações de algumas das matérias-primas e produtos, mas perfeitamente normais dentro daquilo que é a normal dinâmica de mercado”, reforça Célia Marques.
Diz-nos ainda que, nos últimos dois anos “a pedra natural registou, sequencialmente, em 2021 e 2022, recordes das suas exportações. Em 2022 os valores de exportação situaram-se bastante próximos dos 500 milhões de euros, com um crescimento de 13,01%, face a 2021. Sublinha-se ainda o facto do preço médio por tonelada de produto ter registado uma variação positiva de 20,59%, bem acima daquilo que poderia ser interpretado como apenas um efeito direto da inflação no crescimento dos preços. É um setor com mais de 1000 milhões de euros em volume de negócio anual, e com um valor acrescentado bruto de cerca de 350 milhões de euros, empregando mais de 13.500 trabalhadores e com um papel fundamental na economia de regiões de baixa densidade populacional. Nos primeiros quatro meses de 2023, o setor continua a apresentar um crescimento bastante sustentado, com valores superiores a 5,5% em volume de negócio e com uma continuidade de crescimento do preço médio por tonelada de produto transacionado de 12,03%”.
A Assimagra, em representação das empresas da extração de minérios e sendo profunda conhecedora do funcionamento destas empresas, considera que os principais desafios que o setor enfrenta se centram em seis pilares fundamentais. Célia Marques, vice-presidente executiva da associação assume que “o setor da pedra natural enfrenta uma série de desafios que certamente irão influenciar o seu futuro”. Identifica-os explicando a importância de cada um deles, começando na sustentabilidade ambiental e social, pelo desafio do aumento da competitividade global, não esquecendo a automação e digitalização da indústria, a escassez de mão-de-obra qualificada, as flutuações económicas e instabilidade política, e por último, mas não menos importante, as mudanças nas preferências de consumo.
De forma mais detalhada, Célia Marques explicita o que significam estes desafios e em que medida estes impactam todo um setor:
• Sustentabilidade ambiental e social: A crescente consciencialização sobre questões ambientais e a procura de práticas sustentáveis estão na ordem do dia de forma muito transversal e o nosso setor não é exceção. Existe neste momento, no setor, um foco na procura de soluções tecnológicas e alteração de processos, com o objetivo de aumentar a sua eficiência. Este foco tem origem não apenas pelo aumento da procura de produtos mais ambientalmente sustentáveis e responsáveis, mas também por questões muito pragmáticas de gestão do próprio negócio, pois mais que a valorização dos produtos por si só, o setor procura ativamente ser mais eficiente em toda a sua cadeia de valor, aumentando margens e respondendo aos requisitos de mercado e da sociedade (ambientais). Sobre esta matéria importa referir que o setor se encontra a desenvolver uma solução integrada para Declarações Ambientais de Produto (DAP), que irão ser a consequência natural do trabalho que está a ser desenvolvido pelas empresas;
• Competição global: A indústria da pedra natural é altamente competitiva a nível global. Empresas de diferentes países competem por contratos e clientes, o que exige que as empresas estarem constantemente a inovar, a melhorar a qualidade dos produtos e soluções, diversificando a oferta e encontrando diferentes formas de se destacar no mercado global. Neste ponto, Portugal tem feito um caminho algo distintivo de alguns dos países seus concorrentes. Portugal é atualmente reconhecido, internacionalmente, por ter um setor com capacidade de resposta a projetos altamente exigentes e com produtos por medida complexos, sendo este facto bastante distintivo e com poucos concorrentes com a mesma reconhecida capacidade;
• Digitalização e automação: A digitalização está a transformar todos os setores, incluindo os setores industriais e, naturalmente, o da pedra natural. A automação de processos, o uso de tecnologias digitais avançadas, como CAD/CAM e realidade virtual, a implementação de sistemas de gestão integrados são cada vez mais importantes para melhorar a eficiência operacional das empresas, reduzir custos e atender às expetativas de mercado. Espera-se também que com a o atual 'boom' da inteligência artificial, a mesma venha a ter um reflexo fortíssimo ligado aos processos fabris e aumento da capacidade de robotização de autonomia de alguns processos;
• Mudanças nas preferências de mercado: O mercado está a mudar e os produtos de construção fazem parte desse processo. A procura de soluções e produtos sustentáveis é cada vez mais um fator de decisão no ato da prescrição e a pedra natural, desempenha um papel bastante importante no âmbito dos materiais de construção mais sustentáveis. As próprias tendências da arquitetura e design, procuram soluções mais sofisticadas, responsáveis ambientalmente, com um desempenho personalizado e de longo prazo. A pedra natural, como material em si, responde a muitas destas questões, pelo que importa atestar tecnicamente esse desempenho e alavancar ainda mais a promoção dos produtos do nosso setor;
• Escassez de mão de obra qualificada: A falta de mão de obra qualificada é um desafio transversal ao país. No entanto o setor, estando normalmente presente em regiões de mais baixa densidade populacional é ainda mais afetado por essa questão. É fundamental aumentar a capacidade de atrair, formar e reter trabalhadores qualificados;
• Flutuações económicas e instabilidade política: O setor da pedra natural, como muitos outros, está também sujeito às flutuações económicas e incertezas políticas, tanto em nível nacional quanto internacional. Sendo um setor em que o peso das exportações é em média 80% do que é produzido, as mudanças nas políticas comerciais, crises económicas e a instabilidade política podem afetam claramente a procura, preços e as restantes condições de mercado”.
“Cada um destes fatores no seu conjunto representa, em traços mais abrangentes, as preocupações de todo um setor”, assume Célia Marques.
Foto: Filstone.
Mas como podem as empresas fazer face a estes desafios? Célia Marques, elucida que “é essencial adotar estratégias de longo prazo que tenham em consideração a sustentabilidade, a inovação, a digitalização, a gestão eficiente, transição energética e a adaptabilidade às mudanças do mercado. Para além disso salienta-se o papel da Assimagra neste caminho estratégico, fomentando as práticas colaborativas entre as empresas, mas também das empresas com a própria associação e a academia para impulsionar a competitividade e promover o desenvolvimento sustentável deste setor”.
Sendo a extração pedreira uma indústria com uma conotação menos positiva junto da opinião pública, fomos perceber que iniciativas estão a ser desenvolvidas para mitigar ou mudar esta opinião junto da população em geral. Neste sentido, Célia Marques, ressalta que “no caso da pedra natural, nos últimos anos o setor tem desenvolvido um esforço de marketing e comunicação muito intensos, com o objetivo de promover esta indu´stria, mas tambe´m de melhorar a atratividade e aceitação social do setor dos recursos minerais junto do público em geral”.
Para reforçar esta sensibilização e esclarecimento sobre os impactos e medidas implementadas pela indústria, a Assimagra desenvolve ações concretas com vista a dar continuidade a este trabalho. Tal como indica Célia Marques, “temos previstas iniciativas direcionadas a diferentes targets, mantendo uma intervenção ativa nos processos de comunicação, com informação educativa e interventiva ao nível do setor, mas também do poder político e da sociedade procurando melhorar a atratividade e aceitação social do setor no acesso ao território. Os exemplos são muitos como a realização dos Encontros Nacionais do setor – Summit StonebyPortugal, com o objetivo de se discutirem e se refletir sobre os desafios impostos atualmente à indústria da pedra natural juntando diversos convidados e diferentes intervenientes que atuam em proximidade com este setor de atividade. Existem ainda várias iniciativas em curso nos processos de comunicação ao nível do poder político como é o caso da campanha 'À Conversa com o Presidente' nos principais municípios com ligação ao setor extrativo”. A exposição Primeira Pedra no Museu Nacional dos Coches patente por mais de seis meses permitiu a aproximação da indústria a um publico mais alargado, sendo que após ser visitada por mais de 100 mil pessoas, foi recentemente transferida para Porto de Mós para atingir um publico mais diferenciado.
Por fim, finaliza dizendo que “estão a ser planeadas iniciativas de aproximação às escolas e universidades, com conteúdos e um planeamento direcionados aos diferentes alunos, com o duplo objetivo de dar a conhecer o setor e sensibilizar para importância dos recursos minerais na vida quotidiana atual”.
Para este artigo, contactámos diversas empresas do setor para que partilhassem connosco as preocupações inerentes à sua atividade. O único testemunho obtido, da Filstone, respalda o retrato traçado pela Assimagra.
A Filstone tem atualmente duas pedreiras ativas em Portugal, uma em Fátima, onde é extraído calcário, e outra em Alpalhão onde é explorado granito. Segundo nos relata Eduarda Soares, do departamento de marketing e comunicação da empresa, a exportação de pedra natural representa uma parte substancial da atividade da Filstone. "Em termos percentuais, cerca de 60% do nosso negócio está direcionado para a exportação de pedra natural”, afirma, acrescentando que “a exportação desempenha um papel fundamental no crescimento e na sustentabilidade da nossa pedreira. Através da exportação, conseguimos alcançar mercados internacionais mais amplos e diversificados”.
Como todas as empresas que dependiam do mercado externo, especificamente da China, e que tiveram de parar os seus movimentos exportadores por circunstâncias da pandemia, também a Filstone teve necessidade de se adaptar. Eduarda Soares admite que “este ano, passámos por uma reestruturação na empresa e compreendemos a importância de diversificar os nossos mercados externos, para além da China. Estamos aos poucos a aumentar o contacto com outros países, o que tem resultado em vendas promissoras. Essa diversificação geográfica tem sido fundamental para o nosso plano de crescimento, permitindo-nos reduzir a dependência de um único mercado externo e explorar novas oportunidades de negócio. Estamos entusiasmados com os resultados até agora e a consolidar a nossa posição no mercado internacional de pedra natural. No entanto, é importante salientar que a exportação não é a única parte do nosso negócio. Também servimos o mercado interno, fornecendo pedra natural para projetos de construção e design em Portugal”.
A Filstone admite que uma das principais dificuldades que enfrentam na sua atividade de extração pedreira, se centra na sustentabilidade ambiental. Procuram reduzir o impacto e adotar práticas responsáveis, “como o consumo consciente de recursos hídricos, a implementação de sistemas de filtragem para reduzir a poluição do ar e da água, e a realização de planos de restauro ambiental. Além disso, a empresa tem de lidar com o cumprimento das regulamentações e requisitos legais, o que implica investimentos na obtenção de licenças, garantir a conformidade com normas ambientais e de segurança, bem como manter registos precisos”, admite Eduarda Soares.
Outra dificuldade enfrentada pela Filstone é a escassez de mão-de-obra qualificada, tal como retratado pela própria associação do setor. Segundo Eduarda Soares, “a atividade de extração de pedra requer profissionais especializados no manuseamento de equipamentos pesados, para além de conhecimentos técnicos e competências de segurança. Para superar esta questão, a empresa investe em programas de formação e capacitação, com o objetivo de manter profissionais qualificados. A inovação e a adoção de tecnologias avançadas também são desafios importantes. A empresa procura constantemente melhorar a sua produtividade e eficiência através da automação de processos, do uso de equipamentos modernos e da implementação de sistemas de gestão inovadores. No entanto, estas atualizações requerem investimentos significativos em investigação e desenvolvimento, além de adaptação às mudanças nas práticas de trabalho”.
Outras das preocupações identificadas pela Filstone diz respeito à transição energética. Para reduzir a sua pegada de carbono, a explora alternativas de energia mais limpa e sustentável. Isso pode envolver a eletrificação dos equipamentos ou a adoção de fontes renováveis de energia. Desta forma, estão já a modernizar a sua frota para veículos e máquinas elétricas, reciclam e reutilizam toda a água em todas as suas operações. Através de um sistema de tratamento de água torna-se possível reutilizar a água resultante da sua atividade de extração, reduzindo assim o seu impacto ambiental. Outra das medidas de mitigação da pegada de carbono diz respeito à utilização de energia resultante de fontes renováveis, eólica e solar.
Automação e tecnologia na indústria de extração. Foto: Filstone.
A automação é já uma realidade na maioria das pedreiras e minas no nosso país, é um facto que este setor está a evoluir de forma ágil em termos tecnológicos, para fazer face às exigências quer ambientais, quer de competitividade de mercado.
A Filstone dispõe de uma variedade de máquinas elétricas e controladas remotamente. Entre elas, destacam-se os martelos de furo para perfuração de furos, as máquinas de fio telescópicas extensíveis para esquadrejar, os monofios e bifios para aparar blocos, as máquinas de fio para cortar bancadas de pedra, os vira-blocos para girar blocos de pedra, as máquinas para carregar e descarregar blocos de pedra, os serrotes elétricos para cortes verticais e horizontais, e as balanças capacitadas para pesar os nossos blocos. Estas máquinas oferecem maior eficiência, automação e segurança operacional, atendendo às necessidades do setor de pedras e contribuindo para a otimização dos processos.
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Engeobras - Informação para a Indústria de Construção Civil, Obras Públicas e setor mineiro